domingo, 23 de junho de 2013

O Sr. Bleany I


Reescrita do poema “O Sr. Bleaney”, de Philip Larkin (em itálico o original):

O Sr. Bleaney

“Era este o quarto do Sr. Bleaney. Viveu aqui
enquanto trabalhou para a Bodies, até
que o transferiram.” As cortinas puídas de pano às flores
caem a doze centímetros do peitoril,

da janela vê-se um terreno com prédios em construção,
cheio de mato e lixo. “Era o Sr. Bleaney
quem me cuidava do jardim, saía-se mesmo bem.”
Cama, cadeira de pau, lâmpada de sessenta volts, nenhum cabide

atrás da porta nem espaço para livros ou malas –
“Fico com ele”. E assim acontece que me deito
na cama onde o Sr. Bleaney se deitava, e apago os cigarros
no mesmo pires de souvenir, e encho

os meus ouvidos de algodão para não ouvir
o aparelho palrador cuja compra sugeriu.
Conheço os seus hábitos – a que horas descia,
a preferência por molho que não fosse de carne, porque

fazia mal à saúde, o vagar dos seus passos, a
postura calma, o cabelo grisalho. Mas
tudo cessou: cessou o aparelho palrador, os
seus passos, a sua fala encavalitada e bruta

mas sempre doce e reconfortante. Para onde
ir agora? O que fazer? Se o Sr. Bleaney
aqui estivesse mandar-me-ia dar uma curva por
estar a ter uma espécie de crise existencial. Enfim.

Retiro o algodão dos ouvidos e vejo as horas: quatro
da tarde. Não tenho fome, nem sede, nem me apetece
sair. Tenho tempo para pensar mas não o faço. Em
vez disso atiro-me para a cama e para um sono profundo.

Teresa R.


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